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Um jornalístico organizado por alunos do curso de Comunicação Social da UFC

Nos acordes de Eleazar

O XI Festival Eleazar de Carvalho é momento para encontro musical entre estudantes, professores e público. A festa acontece até 19 de julho, no Teatro Celina Queiroz e no Theatro José de Alencar.

Érico Araújo Lima (3J)

O Festival Eleazar de Carvalho presta homenagem à memória do maestro cearense

O Festival Eleazar de Carvalho presta homenagem à memória do maestro cearense (FOTO Roberta Félix)

Na última segunda-feira, dia 06 de julho, a orquestra Eleazar de Carvalho se apresentou no palco do Theatro José de Alencar, como parte do XI Festival Eleazar de Carvalho. Os concertos e recitais seguem até 19 de julho, com a maior parte da programação no Teatro Celina Queiroz, da Universidade de Fortaleza (Unifor).

A décima primeira edição do Festival Eleazar de Carvalho procura ser uma oportunidade de encontro com a música erudita no Ceará. Neste ano, são lembrados os 50 anos da morte de Villa-Lobos (1887-1959), os 200 anos da morte de Joseph Haydn (1732-1809) e os 200 anos de nascimento de Felix Mendelssohn (1809-1847).

O Festival conta com momentos de apresentações musicais gratuitas e traz um curso de extensão ministrado por músicos de diferentes nacionalidades para bolsistas selecionados. Nos concertos e recitais, o encontro de diferentes gerações, com professores e alunos tocando lado a lado. “O modelo do Festival se inspira na dicotomia festa e aprendizado”, diz Sônia Muniz de Carvalho, diretora artística do Festival e viúva do Maestro Eleazar.

Entre as coxias: no ensaio da orquestra Eleazar de Carvalho

Os ponteiros do relógio indicavam 18h30 quando os músicos começavam a chegar para fazer os últimos ajustes da apresentação daquela noite, marcada para dali a duas horas. No palco, entre as coxias, foi possível acompanhar toda a movimentação dos preparativos para o concerto.

À medida que os músicos vão se posicionando e retirando seus instrumentos de suas malas, sons variados se multiplicam, a dissonância vai crescendo – todos estavam, como disse um dos trombonistas, “passando o som”. Por todos os lados, pessoas tocando, verificando afinação e tentando ouvir seu próprio instrumento. Alguns músicos andam para o palco já com seus instrumentos em punho, retirando os primeiros acordes das peças que irão executar no concerto.

Funcionários do teatro e músicos tentam resolver problemas de espaço no palco, muito pequeno para acolher todo o corpo orquestral. Cadeiras são remanejadas: o espaço deve ser aproveitado da melhor forma possível.

De repente, alguém pede silêncio, e ouve-se uma voz: “Ensaio! Ensaio!” – o maestro inglês Christopher Zimmerman, convidado desta edição do Festival, já se encontra no estrado, pronto para dar as últimas orientações para a orquestra. A primeira peça do programa da noite é executada: a abertura “Finlândia” (1899 – opus 26), do compositor finlandês Jean Sibelius (1865 – 1957). Em seguida, o maestro dá orientações, pede para repetir a partir de determinado compasso e indica como quer que seja tocado determinado trecho. Ao fundo, o francês Thierry Miroglio, professor convidado de percussão, dá orientações a um jovem músico que toca os tímpanos.

Segue-se a execução das “Danzas Peregrinas”, do compositor chileno Horacio Salinas (1951) – participam os solistas do Alturas Duo: o canadense Scott Hill, no violão e o chileno Carlos Boltes, na viola e no charango, além de Tiago Alves, na flauta.

O ensaio se encerra com a execução de partes da 5ª sinfonia em mi menor (1888, opus 64) do compositor russo Piotr Ilych Tchaikovsky. O maestro procura o ponto certo, insiste na interpretação que quer oferecer e repete os compassos finais por duas vezes. O ensaio baseia-se na repetição, no diálogo entre os músicos, na correção e na busca pela perfeição.

Ao final, Zimmerman diz que, em meio à grande diversidade na formação dos músicos da orquestra, “é fundamental que todos sintam a música” no momento em que a tocam. Neste ano, o maestro rege a orquestra Eleazar de Carvalho pela primeira vez.

Como diz a diretora artística Sonia Muniz de Carvalho, o Festival se baseia na festa e na aprendizagem

Como diz a diretora artística Sonia Muniz de Carvalho, o Festival se baseia na festa e na aprendizagem (FOTO Roberta Félix)

Momento de encontro e troca de experiências

A visão do ensaio permite entender as trocas de experiências propiciadas pelo festival: durante o período em que o evento se desenrola, o encontro entre gerações, tradições musicais e formas de expressão marca a diversidade de que o maestro Zimmerman falava. É o momento do aprendizado, sempre destacado pela diretora artística do Festival, Sônia Muniz.

O encontro é oportunidade de conhecimento para jovens músicos, como Lucas Gomes, 19 anos, violoncelista. Ele conta que este é o terceiro Festival do qual participa, momento sempre aguardado e uma das poucas chances de um curso intensivo com professores de grande prestígio. Ao longo do ano, Lucas tem que estudar por conta própria e aproveitar as poucas ocasiões em que pode ter alguma orientação musical. “No Ceará, não tem muitas oportunidades para aprendermos a tocar. A gente está esperando mais pelo Festival”, diz Lucas.

Sergei de Carvalho, violinista e filho do Maestro Eleazar, destaca a importância desse momento de encontro dos alunos com os professores e o valor da troca de experiências com músicos de fora. “Esse conhecimento é o que falta”, diz Sergei, em referência às possibilidades de formação musical no Ceará.

Um dos professores convidados do Festival, o chileno Carlos Boltes, do Alturas Duo, fala que o Festival oferece uma oportunidade para descobrir e desenvolver talentos; destaca, também, que a troca de experiências é mútua: “Nossa postura não pode ser a de quem vem apenas ensinar, viemos conhecer também”, diz. Presente na edição passada do Festival, Boltes observa a melhora técnica de muitos estudantes com quem já havia tido contato e a motivação sempre existente nos alunos. Para ele, muitos dos jovens músicos no Festival têm grande talento: “só com uma pequena orientação, eles já seguem adiante”, diz Boltes.

Essa relação professor-aluno foi constatada por trás dos palcos: tocando seus contrabaixos, o americano Robert Black e o cearense Francisco Daniel trocam impressões sobre os sons que ouvem. Black brinca com Daniel: “esse som estava saindo do meu [contrabaixo], mas eu consertei”; Daniel sorri e diz que já está resolvendo o problema. Black participa do Festival desde a primeira edição e sempre encontra jovens muito talentosos: “Ele é um”, aponta para Daniel, que sorri e agradece. O contrabaixista americano vê no Festival a possibilidade de ramificações do ensino de música no Ceará; novamente se refere a Francisco Daniel: “Ele dá aulas em outros cantos”. Daniel, que começou a participar como aluno do Festival em 2001 e agora está como professor substituto, explica: “Dou aulas em Salvador e em Iguatu” – pergunto se em Iguatu, as aulas são parte do Festival, e ele diz: “Não, não, é por conta própria mesmo”.

O encontro com o público

No Ceará, não só os músicos têm poucas oportunidades para estudar música: são, também, poucas as ocasiões em que o público cearense pode se encontrar com a música erudita. A música tem poucos espaços para ser ouvida, e quando os espaços são abertos, surge o problema da falta de divulgação.

Sergei de Carvalho considera que a abertura de oportunidades para se ouvir música erudita no Ceará “está engatinhando”. Para ele, é preciso que o governo invista mais nesse setor da cultura: “O Ceará precisa de uma orquestra sinfônica como tem a Bahia e Pernambuco”. Para Sergei, o Festival ganha importância, então, como oportunidade para formação de platéia: o público ganha com a possibilidade de acompanhar apresentações gratuitas, aprende e ouve música.

Isso passa, inclusive, pelos hábitos da platéia: vão se aprendendo os momentos, por exemplo, de aplaudir. Os aplausos entre os movimentos das peças executadas, antes bastante comuns, ocorrem em menor proporção no Festival. Sergei, entretanto, pontua: “As tradições estão sendo quebradas no mundo inteiro. Não vejo problema de a platéia aplaudir entre um movimento e outro se ela gostou do que ouviu – o problema é aplaudir no meio”.

A seleção das músicas

A diversidade do Festival pode ser vista, ainda, nas músicas executadas nos programas diários: além dos compositores mais tradicionais, sobretudo do Barroco, Classicismo e Romantismo, como Bach, Haydn, Mozart, Beethoven, Mendelssohn e Brahms, é dado grande destaque a compositores contemporâneos, que experimentam, ou não, com as formas mais consagradas na música erudita. Pode-se, então, conhecer composições de autores como Horácio Salinas (1951), Héctor Soto (1955), Javier Farias (1973), Mark O’Connor (1961) e Jeffrey Rathbun (1959). Novos sons são conhecidos, novas formas de fazer música são apresentadas, e o público vive novas experiências musicais.

Carlos Boltes, que, junto a Scott Hill, integra o Alturas Duo, considera importante esse espaço dado às músicas não consagradas tradicionalmente. O Alturas Duo, diz ele, dá preferência em suas apresentações a obras de compositores contemporâneos, com destaque para os latino-americanos. Boltes destaca a importância de um outro caminho: “Sempre é importante tocar Bach, Beethoven, mas temos que tocar não só os ‘clássicos’, e valorizar também o folclore, a música que tem raízes no popular”, diz.

É nessa diversidade, em meio ao “clássico”, ao popular e ao contemporâneo, que a audição dos recitais e concertos do Festival Eleazar de Carvalho procura situar-se.

mais

» O Festival estará no Teatro José de Alencar nos dias 11, sábado, e 14, terça-feira. Nos demais dias, será realizado no Teatro Celina Queiroz, da Unifor;

» O charango, instrumento tocado por Carlos Boltes, é um instrumento de corda tipicamente sul-americano, pequeno (cerca de 66 cm), que lembra levemente o nosso cavaquinho. Como o instrumento é feito do casco de tatu, Boltes brinca: “Quando criaram o charango, foi um belo dia para a Música, mas não tão belo para os tatus”;

» Sobre o Alturas Duo, aqui: www.alturasduo.com;

» Para saber sobre a programação diária do Festival, é só acessar o site da Fundação Eleazar de Carvalho: www.eleazarfundec.org.br.

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